Fonte: Portal Revista Brasileiros
Com uma ofensiva polêmica, “Médicin Du Monde” descortina alto preço de compostos e questiona: por que uma droga pode custar até 14 mil euros por semana se o custo de sua produção é de 100?
Uma campanha encabeçada pela organização Médicin du Monde (MdM), na França, quer pressionar a indústria para abaixar preços de medicamentos de ponta –principalmente os de combate ao câncer e também os de ação direta na hepatite C. Com o mote “ Le prix de la vie” (o preço da vida), a organização que há anos luta pelo acesso à remédios, confeccionou outdoors polêmicos para chamar a atenção da opinião pública e criou uma petição para pressionar o governo francês a negociar preços justos.
Com frases como “É a indústria de petróleo ou a de imóveis a mais lucrativa? É a doença” e “Só 1% dos franceses podem ter hepatite C”, “Quando bem localizado, um câncer pode render até 120 mil euros” a campanha chamou a atenção do mundo por seu caráter direto e polêmico.
Segundo a organização, tratamento com medicamentos como o sofosbuvir (composto de última geração para o tratamento da hepatite C) custa 14 mil euros por semana –quando o custo para a produção para o mesmo período é estimado em 100 euros.
Também medicamentos contra o câncer são alvo da associação. Gleevec, um tratamento contra a leucemia, é vendido hoje por 40.000 euros anuais, quando o custo da produção é estimado em 200. O Keytruda, um tratamento contra melanoma, é anunciado a um preço de 100.000 euros por ano por paciente.
O objetivo da associação é pressionar o Ministério da Saúde francês para não ceder aos alto preços praticados pela indústria –já que é a seguridade social, ou seja, a população que está pagando por esse alto custo. “Não é o mercado que faz a lei, é o Estado”, disse a Médicin du Monde.
“As autoridades que definem o preço de um medicamento geralmente aceitam as taxas cobradas. Tudo isso é possível porque os órgãos estaduais envolvidos na colocação no mercado de medicamentos sofrem de uma grave falta de transparência, até mesmo de conflitos de interesse”, questiona a ONG.
“Este é o último bastião onde a democracia não tem vez. Que argumentos estão sendo ditos em negociações secretas? Por que o Estado não negocia preços justos?”
A organização diz ainda que o argumento de que a indústria precisa de um alto retorno para conseguir inovar não procede –o que acontece é o contrário, segundo a MdM: não há inovação para garantir o monopólio conquistado. “Cerca de 74% dos medicamentos existentes no mercado há 20 anos não lançaram nenhum outro benefício terapêutico (que se some às moléculas existentes) nesse período.”
Além disso, a Médicin Du Monde diz que os fabricantes de drogas desviam os princípios da patente. “Embora tenha sido concebida como uma ferramenta para garantir uma compensação justa para a inventividade, a patente é usada hoje para impor um equilíbrio de poder na negociação com os Estados, para obter preços mais elevados e configurar situações monopólio. E é este desvio que tende a diminuir consideravelmente a inovação.”
Representantes da indústria na França reagiram à campanha. A Leem (Les Enterprise de Médicament), uma espécie de associação da indústria na França), disse, em nota, que a campanha da Médicin du Monde é “enganadora”.
A organização disse que a campanha desrespeita os milhões de pessoas que sofrem com doenças graves na França. A Leem salientou que o lucro da indústria diminuiu entre 2015 e 2016 e que um grande número de medicamentos é oferecido a baixo custo. “A cura da úlcera custa menos de 10 euros. Também a custa menos de 20 euros tratar a pneumonia. Ainda, custa menos de 1000 euros tratar condições como pólio, difteria e sarampo.”
Altos custos também no Brasil
Um dos motes da campanha francesa, o medicamento sofosbuvir foi incorporado no Brasil no dia 23 de junho de 2015, quando a portaria foi publicada no Diário Oficial da União. Na mesma publicação, o daclatasvir e o simeprevir, outros compostos de última geração para o tratamento da hepatite C, também foram incorporados.
O relatório que deu embasamento e recomendou a incorporação foi feito pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). O documento mostra estudos que atestam a eficácia da substância –que, por esse motivo, foi alvo de forte luta de associações de pacientes para sua incorporação.
O texto aponta, como na França, um alto custo. Um frasco de 28 comprimidos revestidos de 400 mg de sofosbuvir teve custo proposto para o SUS de US$ 2.300, segundo o relatório.
Ainda, o tratamento mensal com medicamentos combinados (sofosbuvir, daclatasvir e simeprevir) por paciente pode custar ao SUS de R$ 30.000 a R$ 60.000 em média. O preço do medicamento em reais ainda depende do dólar. A cotação usada pelo Conitec foi uma média das últimas 30 cotações diárias de maio de 2015.
No mundo inteiro, a adoção dos medicamentos foi justificada pela sua alta eficácia, pelas vidas que poderia salvar e também pela diminuição aos custos com o tratamento interior. No caso do sofosbuvir, um dos argumentos usados, por exemplo, é que o medicamento pode evitar o alto custo de um transplante de fígado.
A Médicin du Monde diz, entretanto, que a indústria não pode se basear nesse argumento. “Como se a aspirina tivesse que ser vendida a 1.000 euros porque protege contra doenças cardiovasculares. Esse paradigma põe em risco a sustentabilidade dos sistemas de saúde e o Estado deve assumir o seu papel de regulador”, diz a MdM. A organização aponta como uma das saídas um maior estímulo à produção de medicamentos genéricos.
Link curto: http://brasileiros.com.br/