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Pesquisam mostram que o medicamento sofosbuvir têm potencial para o tratamento do zika vírus

O medicamento sofosbuvir, antiviral usado contra o vírus da hepatite C, é capaz de inibir a replicação do vírus causador da zika. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) comprovaram essa ação em diferentes sistemas celulares. Os dados gerados na pesquisa in vitro, que foi publicada no periódico Scientific Reports [1], dão apoio para a continuação da pesquisa em modelo animal e, futuramente, para a condução de ensaios clínicos.

O vírus Zika (ZIKV) é um membro da família Flaviviridae, que abrange outros agentes de importância clínica, por exemplo, os vírus da dengue (DENV), do Oeste do Nilo (WNV), da encefalite japonesa (JEV) e da hepatite C (HCV).

O sofosbuvir é uma droga aprovada para uso no tratamento da hepatite C. Ela tem como alvo a RNA polimerase viral, ou seja, a enzima responsável pela síntese de RNA.

“Sabendo que essa proteína é uma das mais conservadas entre os membros da família Flaviviridae, nós investigamos se esse agente também conseguiria atuar sobre a RNA polimerase do ZIKV, e os resultados foram promissores”, disse ao Medscape o autor da pesquisa, o virologista Thiago Moreno Lopes e Souza, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) da Fiocruz.

Durante a pesquisa foram utilizadas diferentes culturas de células: neuroblastoma humano (SH-Sy5y), célula de rim de hamster (BHK-21), célula de rim de macaco-verde africano (Vero) e de hepatoma humano (Huh-7), bem como células-tronco neuronais (NSCs) e organoides cerebrais – estruturas que representam um modelo tridimensional de cultura de células usado para o estudo de microcefalia associada ao ZIKV[2].

A ribavirina e o interferon foram os fármacos utilizados como controle para assegurar que, de fato, o sofosbuvir teria atividade antiviral contra o ZIKV. Lopes e Souza contou que realizou, em paralelo, experimentos com a ribavirina e com o interferon, pois eles são sabidamente ativos contra praticamente qualquer vírus, inclusive o da zika. Com isso, foi possível ter um comparativo para validar a ação do sofosbuvir. É interessante notar, no entanto, segundo o cientista, que ribavirina e interferon, embora apresentem atividade antiviral contra o ZIKV, têm aplicação clínica limitada no tratamento da zika, especialmente porque são medicamentos que implicam riscos para gestantes[3]. Em contrapartida, o sofosbuvir é uma droga aprovada como classe B pela Food and Drug Administration (FDA) e categorizada pela agência regulatória Therapeutic and Goods Administration (TGA), da Austrália, como classe B1, ou seja, ela foi utilizada por um número limitado de gestantes e mulheres em idade fértil e não foi associada a efeitos nocivos[1]. Esse dado foi também um fator que motivou Lopes e Souza e colegas a investigarem a ação do sofosbuvir sobre o ZIKV.

A pesquisa mostrou que o medicamento inibiu a replicação do vírus causador da zika nas células de hepatoma, neuroblastoma, nas células-tronco neuronais, nos organoides cerebrais e nas células de rim de hamster. Tomando essas últimas como comparativo (BHK-21), os autores identificaram que a potência da atividade antiviral foi cinco vezes maior nas células de hepatoma e duas vezes maior nas células de neuroblastoma.

Como o sofosbuvir foi desenvolvido para o tratamento da hepatite C, doença hepática, a maior potência verificada nas células de hepatoma era algo esperado. Segundo Lopes e Souza, foi especialmente importante notar que esse antiviral tem atividade contra a replicação do Zika em várias células de origem neuronal, tanto no neuroblastoma quanto nas células-tronco neuronais e nos organoides cerebrais.

“Quando uma pessoa é infectada pelo ZIKV, certamente esse vírus não vai diretamente para o cérebro. Provavelmente, ele replica em tecidos periféricos até atingir quantidade suficiente para chegar efetivamente ao cérebro. Nosso resultado mostra que tanto em um órgão como o fígado, que tem um papel periférico, quanto em células do sistema nervoso central, o sofosbuvir atua contra o vírus Zika”, disse ele.

A inibição da replicação viral só não foi detectada nas células Vero. Embora o grupo não tenha investigado os mecanismos por trás desse achado, Lopes e Souza aponta três hipóteses possíveis: (1) o sofosbuvir pode não entrar na célula Vero; (2) o medicamento pode entrar, mas a célula pode não contar com as enzimas necessárias para converter o medicamento em sua forma ativa e (3) como a célula Vero expressa uma grande quantidade de glicoproteína-P, uma proteína da membrana envolvida na expulsão de algumas drogas, o sofosbuvir pode entrar na célula, mas ser imediatamente expulso dela [4]. De toda forma, o pesquisador destaca que os possíveis fatores causadores da inatividade do medicamento são inerentes à célula de rim do macaco-verde africano, e não se repetem nos outros modelos analisados, o que, portanto, não compromete os resultados identificados.

A pesquisa mostrou também que o sofosbuvir inibiu mais a infectividade do vírus da zika do que a produção de RNA viral. Foi visto ainda, a partir de sequenciamento, que nas células tratadas com esse medicamento as sequências de RNA do ZIKV tiveram taxa de mutação (troca da base nitrogenada adenina por guanina) aumentada.

“Esses achados indicam que o fármaco, além de inibir a RNA polimerase, induz produção de resto de RNA viral que tem defeitos que acabam por comprometer a capacidade dele de infectar novas células”, explicou Lopes e Souza.

Os resultados positivos do sofosbuvir quanto à ação de inibição da replicação do ZIKV já foram corroborados em modelos animais. O pesquisador da Fiocruz disse que um grupo de pesquisas grande vem dando continuidade a essa investigação, e já foi possível encontrar resultados promissores também em experimentos feitos com camundongos. No entanto, esses dados ainda estão sendo compilados para passar por tratamento estatístico e serem então submetidos à publicação. Esse é mais um passo para que a pesquisa progrida para ensaios clínicos, o próximo objetivo.

A pesquisa em foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Os autores declararam não possuir conflitos de interesse.

Fonte: Medscape

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